"My name is Walter Hartwell White (...) This is my confession." - Walt
"Why don't you kill yourself, Walt?" - Marie
"And all for that asshole Mr. White!" - Jesse
"Oh, Christ, Marie... You killed me here." - Hank
Já havia comentado em “Fly”que provavelmente Jesse nunca saiba sobre Jane. Walt nunca confessaria, talvez sequer se considere culpado pelo que aconteceu. Mas era questão de tempo para que os outros segredos que Mr. White esconde de seu pupilo viessem à tona. A morte de Mike era algo tão aparente, que não precisa muito esforço de Jesse (e também Saul) pra descobrir. Mas Mike fazia parte do jogo, não é o suficiente pra que Jesse se vire contra Walt. Já o envenenamento de Brock é outra coisa.
É uma revelação importante, que só poderia vir nesta reta final, já que rompe em definitivo a relação entre os dois, que por muito tempo foi a alma da série. O momento é perfeito porque Jesse, como personagem, não parecia ir a lugar algum. A ameaça de que poderia colaborar com Hank mostrou-se infundada, e com razão, pois se há alguém que Jesse odeia mais que Walt é o cara que lhe espancou. Nem se pode falar em ódio, aliás, por seu professor: mesmo se sentindo manipulado, tudo o que ele quer é apenas que Heisenberg peça ajuda, faça-o se sentir valorizado. E quando sua participação na série coerentemente parece se encerrar, vem a iluminação.
Momento ideal definido, a coisa complica um pouco em relação ao “como descobrir”. Eu não me incomodo com a conveniência do insight de Jesse – insights são insights, e apesar da impressão de surgir do nada, há um bom número de razões pra ele ligar os pontos. E admiro que a sequência não venha acompanhada de um flashback (o piloto de “The Wire” usa esse recurso, contra a vontade de seu criador, apenas porque os produtores da HBO temiam que as pessoas não entendessem) ou de cenas no “previously” que nos lembrassem da ricina, o que mataria com a tensão e surpresa. Mas confesso que no momento em que via me peguei pensando na rapidez com que tudo acontece, mais uma vez uma exigência da imposição de duas mini-temporadas de oito episódios. Pensando depois a respeito, acredito que os roteiristas se saíram muito bem com janela tão curta.
E é curioso que uma revelação dessas venha em um episódio como “Confessions”, cheio de mentiras, meias verdades, verdades ditas com segundas intenções e mesmo ambiguidade. A tarantinesca sequência que abre o episódio, por exemplo: Todd narra perfeitamente o roubo do trem, mas em algum momento comenta sobre a morte da criança? Ou seria uma bizarra coincidência que um de seus amigos fale de “criança de bicicleta usando capacete”? E o abraço que Walt dá em Jesse, o quanto há de carinho, preocupação e manipulação? Jesse não está errado sobre suas intenções, o que não significa que também não é o melhor para ele. O mesmo vale para a cena com Walter Jr. O pai usa seu câncer para manipular o filho, mas com verdade e preocupação sincera.
E é essa manipulação do discurso, entre verdades e mentiras, que faz a confissão gravada de Walt algo tão brilhante: não interessa a falta de provas, é muito mais fácil pra qualquer pessoa acreditar que Hank seja culpado, do que imaginar que o pacato Walter White seja o verdadeiro criminoso – e pensar nisso nos faz lembrar mais uma vez de como sua trajetória na série é impressionante. Não faltam verdades no que ele diz. Policiais podem testemunhar que Hank realmente levou o cunhado para uma apreensão (no piloto da série) ou que Walt Jr. e Holly ficaram com os tios por três meses. Além, claro, da vulnerabilidade de uma pessoa com câncer, das despesas médicas, etc.
É incrível que uma sequência como esta, que já entra pra coleção de momentos inesquecíveis da série, venha ainda na metade do episódio que se volta depois para Jesse e nos dá mais material pra taquicardia e tensão. Conseguir esse tipo de sensação com uma trama já não é pra qualquer episódio de qualquer série; conseguir com duas é pra colocar “Confessions” na lista das melhores coisas que a TV nos deu nos últimos anos.
“Breaking Bad” já tem vasto material que serve de lição para roteiristas de TV, mas se os cinco episódios que faltam mantiverem a qualidade, há mais algumas aulas preciosas desta segunda metade da 5ª temporada, em relação ao tempo narrativo, como lidar com consequências e dramas mais intensos que levam ao final de uma série, e em especial com quantidade de episódios inferior ao que seria necessário, considerando que a velocidade dos acontecimentos é maior do que o habitual do programa, mas com a excelência e qualidade que lhe é característica.
Muito mais a dizer sobre o episódio, que não é só excelente pelas três ou quatro sequências de alta voltagem. Comentando em tópicos:
- O Guilherme Marques me corrigiu no twitter: “Buried” não foi a despedida de Michelle MacLaren na direção da série. Será no episódio 13, “To’hajiilee”, nome do local onde Walt enterrou seu dinheiro;
- Assim como em “Cornered”, quando uma câmera trêmula na ponta de uma pá acompanha Jesse, Michael Slovis não resiste e faz o mesmo com a gasolina que o personagem carrega. Não é o tipo de coisa que gosto, mas não dá pra reclamar do trabalho do diretor: a reunião em família com um humor bem dosado na presença do garçom, a confissão (os enquadramentos de Marie e Hank em frente à tv, a alternância de closes entre Walt e Hank), o desabafo de Jesse no deserto, a luz e sombras sobre os personagens;
- O momento na série é de lidar com as relações entre os principais personagens após segredos revelados, mas sabemos que a produção da metanfetamina trará problemas ainda maiores. Gosto das pequenas sequências preparando terreno sem desviar a atenção do que é principal agora: a preocupação de Lydia em um episódio, um massacre em outro, novo laboratório rumo a New Mexico abrindo este;
- Não é por acaso que temos uma cena de Todd deixando mensagem para Walt no mesmo episódio em que temos Walter Jr., e o fim da relação paterna entre Mr. White e Jesse. Acredito que ao final da série teremos uma ideia bem definida sobre o significado de cada um desses filhos na trajetória de Walt;
- Ideia melhor no futuro talvez teremos também em relação às roupas de Walt, Skyler, Marie e Hank na cena em que se encontram. Porque também não é por acaso que o habitual roxo de Marie está no marido, enquanto ela se veste toda de preto. E por que diabos os criminosos da mesa é que estão de roupas claras? Se fosse pra especular algo, eu diria que um dos Schrader não sobrevive no final...
- Heisenberg é inteligente, perigoso e faz coisas terríveis. Mas tem que conviver com Walter White, que continua patético, às vezes. A tentativa de maquiar o machucado, a lição que recebe de Saul sobre como procurar por grampos mais facilmente, e o desespero no final, contido segundos antes de abrir a porta, mas não o suficiente pra mentir bem pra Skyler – que só não percebe algo de errado por não estar em condições;
- Skyler, aliás, aparece pouco, mas o suficiente pra vermos que sua decisão no episódio anterior não é algo que simplesmente se aceita. Mal posso esperar por sua reação quando souber que o que ela mais temia – o perigo chegar à sua casa – aconteceu;
- Se Walt é aquele que bate, Jesse é o que arrebenta a porta. O final é excelente não só pela expectativa que gera com a continuação da cena, mas por se relacionar com o flashforward: imediatamente pensamos que Jesse é o motivo de encontrarmos a casa abandonada meses depois, inclusive sendo a pessoa mais provável para pichar de amarelo o nome HEISENBERG. Mas revendo o início de “Blood Money” dá pra perceber que não há sinais de que a casa tenha pegado fogo e que, se não houver erro de continuidade, ao menos por uma reforma ela passará:
- Aliás, a primeiríssima cena do episódio é de um isqueiro sendo aceso; a última é de gasolina sendo jogada em nossos olhos. Felizmente, não é o inverso;
- Três episódios neste retorno, e todos começaram (descontando a introdução) exatamente de onde o anterior terminou. Com o próximo provavelmente acontecendo o mesmo, será metade desta segunda parte se passando num curto espaço de tempo, quando sabemos que o fim só acontecerá vários meses depois.
- Cenas marcantes de “Breaking Bad” deixam na memória até nomes de ruas. Quando Saul diz que Jesse precisa ir pra esquina da Juan Tabo com Osuna, gritei (no pensamento): “Juan Tabo! A avenida onde Gale morava!” Fanboys...
- Pra terminar... Hello Kitty? Sério?